24 C
Cuiabá
quinta-feira, março 28, 2024
More

    Últimas Postagens

    Estabilidade num ambiente instável

    Um dos pontos mais polêmicos da atual Proposta de Emenda Constitucional 32/2020 é a estabilidade do servidor público. O texto original limita este mecanismo às carreiras típicas de Estado, cuja definição será feita por meio de lei. Para muitos ela é o principal problema do serviço público. Aqueles que enxergam muitas vezes num nível mais micro, olhando para servidores de baixo desempenho, ficam empolgados com a possibilidade de demissão. Entendem que com isso os órgãos ficariam mais leves e teriam maior produtividade.

    Costumo lembrar que problemas complexos demandam soluções complexas. Este tipo de reação é muito mais emocional e expressa a legítima frustração com situações desta natureza de muitos usuários e servidores públicos compromissados. É uma revolta canalizada para esta solução. Mas as questões devem ser entendidas numa lógica mais ampliada e sistêmica. Se todos os servidores de baixo desempenho fossem demitidos haveria redução de custos, gerando uma folga fiscal. Mas os demais problemas de gestão continuariam. Portanto, precisamos analisar esta questão mais de perto para não jogar o bebê fora com água do banho. Esse é um vício comum naqueles que querem realizar mudanças. É bom lembrar que elas podem ser também para pior. Aí é preferível não mexer.

    Nesta linha de raciocínio as demissões poderiam se estender até perto do infinito, atingindo quase todos os servidores. A administração pública tornaria-se um grande campo experimental, podendo comprometer a prestação de serviços para o cidadão. Muitos comparam com os incentivos ao desempenho do setor privado, no qual há prêmios pelo bom e sanções pelo mau desempenho, como a demissão. Seria uma forma de pressão muito maior.

    Costumo dizer que se a estabilidade fosse o principal problema não teríamos servidores públicos estáveis e de bom desempenho. Há profissionais de excelência que são estáveis, porque trabalham em organizações públicas que têm uma outra ordem de incentivos. São muitos profissionalizadas, com processos estruturados, tecnificadas, com uma separação mais clara entre técnica e política, elevada atenção para o mérito na seleção e na movimentação e bom nível de cobrança. O desafio é fazer com que as outras organizações caminhem para isso e limitem o espaço para servidores com perfil mais parasitário.

    A eficiência é um dos princípios fundamentais da administração pública pós-burocrática. Mas o grande desafio é a sua conciliação com os demais, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Eles também geram valor público para o cidadão. Será preciso analisar com cuidado quais carreiras precisam da proteção oferecida pela estabilidade e aliá-la a ferramentas que possibilitem uma maior responsabilização. Esse é um dos maiores problemas da administração pública de perfil burocrático, dialogando com o conceito de accountability. É uma palavra sem tradução literal para o português que significa responsividade ou a capacidade de ser transparente, prestar contas dos atos e ser responsabilizado por eles.

    Concurso e estabilidade não conseguirão cumprir suas funções se o estágio probatório não fizer o mesmo. Aqui está um dos principais nós da administração pública. A baixa cobrança de resultados e o corporativismo são entraves fundamentais. Os desincentivos que os tomadores de decisão têm para cobrar resultado também são muito grandes e precisam ser reformulados. Caso contrário poderemos voltar ao serviço público que vigorava antes da Constituição de 1988. Salvo em ilhas de excelência a profissionalização era pequena e os resultados gerados também. Esta é a variável-chave: estabelecimento e cobrança dos indicadores de resultado, compreendido nessa concepção que vigora na administração pública.  É imprescindível que se tenha algo estável num ambiente tão turbulento.

    Vinicius de Carvalho é gestor governamental, analista político e professor universitário.

    Latest Posts

    Não perca